quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Sendo assim, boa continuação para todos!

Porque cada início
é só continuação
e o livro das ocorrências
está sempre aberto ao meio.
Wislawa Szymborska, excerto do poema Amor à Primeira Vista

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O encontro feliz de Elmer, Miró e Kandinsky

Esta criação plástica que aqui podem apreciar foi realizada por um grupo de crianças de 2 anos. Eu vou repetir: 2 anos! A actividade foi dinamizada pela A., minha amiga e colega, que foi até à creche do seu filhote, o T., oferecer este momento-prenda às crianças deste grupo. Houve convidados especiais: o Elmer, o Miró e o Kandinsky andaram por lá a dar uma ajuda.
O resultado é um hino à competência e criatividade das crianças, mediadas por um adulto que acredita, convida e envolve. Independentemente da idade, todas as crianças têm o direito a este "olhar", feito de respeito, crença e abertura ao fascínio que delas emana, a todo o momento. Porque, desde sempre, é neste olhar do Outro que nos vemos e revemos. Porque, para sempre, é este olhar que nos marca, de forma indelével.
Cá fica, com um agradecimento à A. por partilhar esta autêntica obra de arte e, sobretudo, as vivências que estiveram na sua génese. Cá fica, à laia de inspiração para 2010!

sábado, 26 de dezembro de 2009

Do cepticismo

Talvez estivessem certos ao porem o amor em livros (...). Talvez não pudesse subsistir em mais lado nenhum.

William Faulkner, A Luz em Agosto

Da resiliência

Parece que um homem aguenta quase tudo, a bem dizer. Até aguenta o que nunca chegou a fazer. Até aguenta pensar como algumas coisas são simplesmente demais para ele aguentar. Até aguenta o facto de que, mesmo se fosse capaz de simplesmente ceder à vontade de chorar, não o iria fazer. Até aguenta não olhar para trás, mesmo que saiba que tanto olhar para trás como não olhar não lhe fará bem nenhum.

William Faulkner, A Luz em Agosto

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Conta-me...

Margarida, está lindo o mar,
e o vento
traz a essência subtil da flor de laranjeira;
eu sinto
na alma uma cotovia a cantar:
a tua voz.
Margarida, vou contar-te
uma história.

Rubén Darío, excerto do poema A Margarita Debayle

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Trencadís

Pormenor do tecto da Sala Hipóstila - Parque Güell

Atentemos no modus faciendi destas bonitas composições:
Em primeiro lugar, reduzir a estilhaços azulejos de diferentes cores, processo do qual deverá resultar um conjunto aleatório de parcelas coloridas.
Em seguida, pegar nestas pequenas parcelas e criar uma nova gestalt, que se pretende mais harmoniosa, mais ordenada, mais criativa.
E estar preparado para aplicar à vida o mesmo procedimento, se se constatar necessidade e coragem: dividir em parcelas analisáveis e reconfigurar, criando um quadro compósito que faça mais sentido. Estilhaçar para harmonizar. ReCriar.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Tarde (demais)

Pensei que, quando se deixa passar o momento certo, quando alguém recusou algo tempo demais, quando nos é recusado algo tempo demais, esse algo chega forçosamente demasiado tarde, mesmo que seja realmente desejado com força e acolhido com alegria. Talvez "tarde demais" não exista, apenas "tarde", e "tarde" seja sempre melhor do que "nunca"? Não sei.

Bernhard Schlink, O Leitor

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Entropia da secretária


Apesar de estar no 3º ano, era capaz de dizer que a entropia da minha secretária equivale a um 2º ano. Não está mal, há vantagens em se ser "arrumadinha". Contudo, e perante o aumento crescente da papelada, posso sempre ensaiar uma resposta à provável advertência acerca da bagunça: "Não, não se trata de bagunça. Trata-se tão somente de um nível elevado de entropia." Gostei do conceito! Permite camuflar a preguiça com laivos de sapiência.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O fascínio, ainda

Decían que era un tranvía el que había atropellado al viejo, que aún respiraba. A duras penas, fue evacuado a una casa de socorro que había tres calles más abajo.
No llevaba encima documentación alguna que le pudiera identificar. Solamente le encontraron, en un bolsillo de la americana, un puñado de pasas y cacahuetes. En el otro bolsillo, un libro arrugado: los Evangelios.
(...)
Pero el moribundo fue identificado al día seguiente por el capellán del Templo de la Sagrada Familia, Mosén Gil Parés: el desconocido no era sino el arquitecto Antoni Gaudí i Cornet, el constructor visionario del inacabado Templo de la Sagrada Familia.
A consecuencia del golpe causado por el tranvía, dos días más tarde, sobre las 5 de la tarde, Gaudí murió en la inhóspita cama de hierro de una pequeña habitación del hospital de los pobres.
J. Castellar-Gassol, Gaudí, La Vida de Un Visionario

domingo, 6 de dezembro de 2009

Canta da cabeça aos pés

Fado da Tristeza
Letra e música de José Mário Branco
In "Ser Solidário"

Não cantes alegrias a fingir
Se alguma dor existir
A roer dentro da toca
Deixa a tristeza sair
Pois só se aprende a sorrir
Com a verdade na boca

Quem canta uma alegria que não tem
Não conta nada a ninguém
Fala verdade a mentir
Cada alegria que inventas
Mata a verdade que tentas
Pois e tentar a fingir

Não cantes alegrias de encomenda
Que a vida não se remenda
Com morte que não morreu
Canta da cabeça aos pés
Canta com aquilo que és
Só podes dar o que é teu

Com um obrigada ao N., que um destes dias me deixou o cd em cima da secretária.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Gaudí i Cornet


Quando se visita Barcelona, o apelo turístico associado a Gaudí é incontornável. Todavia, e sem negar a grandiosidade e criatividade da obra, outra coisa me tocou de forma mais funda, raiando o espanto: tudo aquilo que os meus olhos tocavam havia sido zelosamente arquitectado no espaço de uma vida. Uma só.

Há obras extraordinárias. Mas há vidas que o são mais. Que desafiam as fronteiras do tempo e do espaço e nos atingem, tantos anos depois, com a força da paixão que as moveu.