quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Chuva

O sol mantem-se radioso e a chuva continua a não dar qualquer sinal. Para mim, seria uma perfeição de inverno, não fossem as notícias que se vão sucedendo: as culturas em perigo, as produções ameaçadas, as barragens que se esvaziam, populações, como a de Bragança, que temem pela água potável.
Perante este cenário, resta esperar que ela nos conceda umas visitas regulares, nos tempos mais próximos. E, aí, até eu farei coro com o Gene Kelly: I've a smile on my face/ I walk down the lane/ With a happy refrain/ Just singin'/ Singin' in the rain.

Adornada por uma noite de chuva outonal, no quintal da mãe

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Um sítio onde pousar a cabeça


Há um espaço enorme, uma imensidão entre nós e as palavras, que é ocupado por coisa nenhuma. E quando nós tentamos ultrapassá-lo, só num acto de amor é que é possível ir ao encontro delas e deixar que elas venham ao nosso encontro. (…)
A escrita para mim é mais do que respostas, é interrogações. Mais do que para afirmar a minha identidade, é para a procurar.

A voz de Manuel António Pina tecendo palavras sobre as palavras e a escrita, num documentário recentemente exibido na RTP 2. O título deste é extraído de um dos seus poemas, que aqui vos deixo, porque há palavras que pedem para serem partilhadas.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Nunca recordaremos haber muerto


Paula Rego, Tempo Passado e Presente (1990)
Tanta paciencia
para ser tuvimos
anotando
los números, los días,
los años y los meses,
los cabellos, las bocas que besamos,
y aquel minuto de morir
lo dejamos sin anotación:
se lo damos a otro de recuerdo
o simplemente al agua,
al agua, al aire, al tiempo.
Ni de nacer tampoco
guardamos la memoria,
aunque importante y fresco fue ir naciendo;
y ahora no recuerdas ni un detalle,
no has guardado ni un ramo
de la primera luz.
(...)

No tienes más recuerdo que tu vida.
                                                                                   
Pablo Neruda, Plenos Poderes (1962)


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Vitamina C

A intenção era fotografar as camélias, mas a geada já fizera os seus estragos antes de eu lá chegar. O certo é que a Natureza sempre nos vai presenteando com alternativas e estas até me parecem bastante adequadas ao frio que se faz sentir: uns gomos de tangerina, um chá de limão e mel, um suminho de laranja, tudo vale para enfrentar este verdadeiro ente polar.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Da culpa


(…) a culpa, porém, tanto a comprovável como a escondida, ou aquela que apenas se suspeita, essa fica. Faz tiquetaque sem parar, e mesmo nas viagens a nenhures lá está ela no seu lugar, à espera. Recita a sua pequena sentença, não teme repetições, faz-se esquecer, por longos períodos, magnânima, e hiberna em sonhos. Permanece como sedimento, não pode ser removida como uma mancha, sorvida como uma poça. Aprendeu desde cedo a procurar refúgio, confessada na concha de um ouvido, a tornar-se mais pequena do que pequena, num nada, fazendo-se passar por prescrita ou há muito perdoada, mas está afinal, assim que a cebola desaparece camada após camada, inscrita nas camadas mais novas: às vezes com letras maiúsculas, outras com frase subordinada ou nota de rodapé, às vezes é claramente legível, outras ainda aparece em hieróglifos que, quando muito, podem ser decifrados a custo.

Günter Grass, Descascando a Cebola – Autobiografia 1939-1959. Casa das Letras, p. 33.

[Neste livro, o autor assume ter pertencido à Juventude Hitleriana e às Waffen-SS, confissão que, à data, foi causadora de grande polémica. Paralelamente a uma incursão por uma Alemanha devastada pela guerra, este livro é também uma incursão pela vida interior de um homem perseguido pela culpa, pelo constante exercício da justificação, pela busca (infrutífera?) de expiação.]