domingo, 7 de outubro de 2012

Post com dedicatória implícita

Quem são os amigos que nós amamos? São os que nos contam histórias, os que vivem connosco as histórias que não vão contar e que fazem o maior lastro da nossa memória.

Agustina Bessa-Luís, Memórias Laurentinas, Guimarães, p. 254 

Ana na praia Formosa, Madeira

sábado, 29 de setembro de 2012

Será a nau maior que a tormenta?


Vieira da Silva, "História Tragico-Marítima", 1944


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Vereda da Ponta de S. Lourenço

O acidentado do terreno não o torna muito apelativo a acrofóbicos, abissofóbicos e outros que tais. Mas é uma experiência em deslumbramento constante. E esta fóbica que daqui vos escreve, que tem uma relação difícil com precípios e acidentes topográficos afins, garante que vale a pena aguentar os tremeliques para apreciar esta raridade lusa. Continua a ser verdade: vencer os medos resulta em fotografias bestiais [entre outras coisas] :)))


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A casa do verão


Seja como for, ainda espero
dos altos muros ver a dança
das nuvens sobre o rio,
as gloriosas flores desfraldar a louca cabeleira.
Eram a casa do verão, os girassóis.
A derradeira.

Eugénio de Andrade, O Outro Nome da Terra, Instituto Cultural de Macau e Editora Montanha das Flores, p. 88

Do quintal ajardinado da mãe

domingo, 22 de julho de 2012

Sem medida


Eis a lição que aprendi em Jesusalém: a vida não foi feita para ser pouca e breve.
E o mundo não foi feito para ter medida.

Mia Couto, Jesusalém, Caminho, p. 255
  
Bom Jesus do Monte, Braga


domingo, 15 de julho de 2012

A alegria livre do presente!

 ¡Qué tristeza este pasar
el caudal de cada día
(¡vueltas arriba y abajo!),
por el puente de la noche
(¡vueltas abajo y arriba!),
al otro sol!
¡Quién supiera
dejar el manto, contento,
en las manos del pasado;
no mirar más lo que fue;
entrar de frente y gustoso,
todo desnudo, en la libre
alegría del presente!

Juan Ramón Jimenez

Margem do lago Léman, Genebra

domingo, 24 de junho de 2012

O mundo que olha o mundo

Normalmente, pensa-se que o eu é uma pessoa debruçada para fora dos seus próprios olhos como se estivesse no parapeito de uma janela e que observa o mundo que se estende em toda a sua vastidão, ali, diante de si. Portanto: há uma janela que dá para o mundo. Do lado de lá está o mundo; e do lado de cá? Sempre o mundo: que outra coisa queriam que estivesse? E então, fora da janela, o que é que fica? Ainda e sempre o mundo, que nesta ocasião se desdobrou em mundo que olha e mundo que é olhado. (…) Ou então, dado que há mundo do lado de cá e mundo do lado de lá da janela talvez o eu não seja mais do que a janela através da qual o mundo olha o mundo.

Ítalo Calvino, Palomar, Editorial Teorema, p. 118

Um olhar sobre o rio Minho, a partir de Tui

sábado, 16 de junho de 2012

Mar Sonoro

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do Mar, in Obra Poética I, Caminho, p. 84.


sábado, 9 de junho de 2012

A resposta



 
Afinal, uma pessoa sempre responde com a sua vida inteira às perguntas mais importantes. Não importa o que diz entretanto, com que palavras e argumentos se defende. No fim, no fim de tudo, com os factos da sua vida responde às perguntas que o mundo lhe dirigiu com tanta insistência (…): Quem és tu?... Que querias realmente?... Que sabias realmente?... A que foste fiel ou infiel?... A quê ou a quem mostraste ser corajoso ou cobarde?... (…) O importante é que no fim, uma pessoa responde com toda a sua vida.

Sándor Márai, As Velas Ardem Até ao Fim, D. Quixote, pp. 88-89.


sábado, 2 de junho de 2012

O diagnóstico do Dr. Epaminondas

Ilustração de Evelina Oliveira

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:
- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.

Carlos Drummond de Andrade. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1988.

domingo, 27 de maio de 2012

Bracara Augusta

Nos últimos dias, Braga parece ter viajado numa máquina do tempo, enchendo-se de romanas e romanos. O centro da cidade ganhou fôlego e vivacidade, uma animação que nem a chuva conseguiu esmorecer. Para além dos espectáculos de rua, o mercado romano traz muito apelo e umas receitas para a crise: chás para a tensão arterial e a angústia, doçuras para os amargos de boca, o resgate de um certo tipo de ludicidade. E para aqueles mais incomodados com a imprevisibilidade do presente, há uma rua pejada de tendas onde poderão pedir auxílio a troco de 20 ou 5 euros que, pelos vistos, nem o esoterismo escapa à lei de mercado.

sábado, 19 de maio de 2012

Velas e valsas

Henri de Toulouse-Lautrec, La Goulue and Valentin, Waltz



O navio desistiu de navegar contra a corrente e aliou-se ao vento e às águas; as suas velas estão agora enfunadas e ele avança, orgulhoso, sobre as ondas condescendentes. A sua velocidade é fruto do seu esforço e dos seus méritos ou dos méritos de forças externas? (...) A mulher que valsa abandona-se nos braços do seu hábil parceiro. A maravilhosa leveza da dança vem dela ou dele?

Karen Blixen, Sombras no Capim, RBA, p. 96.

sábado, 12 de maio de 2012

Porque é que perguntas?


A gente pergunta quando muito porque é que existem as coisas, o mundo e assim. Mas nunca perguntamos porque é que existe a própria razão e o seu modo de ser razão para se perguntar. Porque é que ela há-de ser assim, e não de outra maneira, porque é que existe a pergunta. (…) Mas se nós perguntamos, há-de ter um sentido isso, a pergunta. Não são só as coisas, o universo e tudo o que quiseres, é também o perguntares. Porque é que perguntas? (…) E então eu digo: porque isso é um facto como haver pedras. Portanto perguntar é necessário. E se é necessário, também é necessário querer achar uma resposta.

Vergílio Ferreira, Em Nome da Terra, Bertrand Editora, p. 261.

[Um livro sobre os nossos maiores medos: a perda dos que amamos, pela morte ou pelo abandono, a degradação física e mental, a solidão. Um livro como um soco, doloroso e certeiro, a deixar um rasto de nódoas negras. Um livro cujo personagem principal não é apenas João Vieira: sou eu, somos todos nós.]

domingo, 6 de maio de 2012

Cá dentro







A felicidade não está no que acontece mas no que acontece em nós desse acontecer.


Vergílio Ferreira, Em Nome da Terra, Bertrand Editora, p. 83.

domingo, 29 de abril de 2012

Espiral

Auguste Rodin, Eva | Museu Rodin, Paris

El mundo avanza en círculos, me dicen,
o es más bien que se mueve en espiral y por tanto no avanza,
se concentra o se dispersa interminablemente,
sin un fin ni un principio, sin objeto y sin sentido, sin porqué ni adónde.

La vida, entonces, vuelve a reencontrarse con lo que fue su origen,
su semilla, la medida de todos sus fracasos, el hueco donde caben nuestros miedos
y al que se ajustan nuestras esperanzas.

Y dando por supuesto que las cosas sean así, tan crudas y tan frágiles,
dime qué hacemos tú y yo aquí parados, soportando el embate de la nada,
el azote que nunca merecimos o ese dardo llamado indiferencia o mala suerte o época difícil.

Dime, aunque tengas que mentirme un poco, que no estamos perdidos,
que aún hay grietas por las que puede entrar algún consuelo,
que esto no es otro de esos callejones sin salida y sin luz donde espantarnos,
donde perder la fe y ganar el llanto.

Convénceme, prométeme la vida.

Amalia Bautista, retirado daqui

domingo, 22 de abril de 2012

Os mais-velhos

Um viajante é o quê?, num é aquele que vem de mais longe? Se você vem de longe, quantos caminhos é que você cruzou, quantas pessoas e o mundo delas, quantas visões você viu, quantas magias? O tempo, avilo, o tempo é essa estrada comprida que eu te falo, e quem vem de longe sempre já tropeçou em mais pedras e enfrentou mais lacraus. Mentira?

Ondjaki, Quantas Madrugadas Tem a Noite, Caminho, p. 154.

Parque das Termas da Curia, Anadia

domingo, 15 de abril de 2012

Florbela



É Primavera agora, meu Amor!
O campo despe a veste de estamenha;
Não há árvore nenhuma que não tenha
O coração aberto, todo em flor!

Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor
Da vida... não há bem que nos não venha
Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha!
Não há bem que não possa ser melhor!

Também despi meu triste burel pardo,
E agora cheiro a rosmaninho e a nardo
E ando agora tonta, à tua espera...

Pus rosas cor-de-rosa em meus cabelos...
Parecem um rosal! Vem desprendê-los!
Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...

Florbela Espanca, Poesia Completa, Bertrand, p. 337.

[A propósito do filme Florbela, realizado por Vicente Alves do Ó, com um notável desempenho de Dalila Carmo, a encarnar aquela que um dia terá afirmado não saber viver.]

terça-feira, 10 de abril de 2012

Sem rivalidade

A rivalidade entre Guimarães e Braga é conhecida aqui pelo Minho. E como é sobejamente sabido, as duas cidades detêm, em 2012, títulos de relevo, associados a iniciativas a condizer: uma é Capital Europeia da Cultura, a outra é Capital Europeia da Juventude. Coincidência? Competição? Creio que não. Tenho para mim que este foi um esforço concertado para visibilizar o Minho e Portugal. E para demonstrar que esta hipótese da concertação tem viabilidade, cá vem uma bracarense fazer a apologia de Guimarães, devidamente comprovada in loco: os monumentos, as praças, a gastronomia, o artesanato e as múltiplas iniciativas culturais serão excelentes motivos para passarem por lá. E, não se esqueçam, Braga é mesmo ali ao lado :-))


1. Paço dos Duques; 2. Praça da Oliveira (com o Padrão do Salado, ao fundo).

terça-feira, 3 de abril de 2012

Do que nada se sabe

A lua ignora que é tranquila e clara
e não pode sequer saber que é lua;
A areia, que é a areia. Não há uma
coisa que saiba que sua forma é rara.
As peças de marfim são tão alheias
ao abstracto xadrez como essa mão
que as rege. Talvez o destino humano,
breve alegria e longas odisseias,
seja instrumento de Outro. Ignoramos;
Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta.
Em vão também o medo, a angústia, a absorta
e truncada oração que iniciamos.
Que arco terá então lançado a seta
que eu sou? Que cume pode ser a meta?

Jorge Luis Borges, A Rosa Profunda

Fernando Botero, Male Torso | Centro das Artes Casa das Mudas, Calheta, Madeira

quarta-feira, 28 de março de 2012

Há horas assim


Talvez seja isto que te impede de encontrares a paz, talvez sejam as palavras em excesso.

Hermann Hesse, Siddhartha, Casa das Letras, p. 148.


terça-feira, 20 de março de 2012

Primavera!

Ponte de Lima

Foi com esta fotografia que concorri pela primeira vez a um concurso fotográfico, patrocinado por uma associação limiana. Não fiquei em primeiro lugar. Não fiquei em segundo. Na verdade, não ganhei a t’shirt que estava destinada às dez melhores fotografias. A minha mana, consoladora, diz que foram cunhas. O meu amor-próprio concorda com esta teoria :))

De todos os modos, continuo a gostar muito dela. Recorda-me dias de liberdade e lentidão, exalta a imaginação e o colorido. Faz-me sorrir.

Hoje, pareceu-me um bom mote para vos desejar uma óptima Primavera. Com maiúscula, naturalmente.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Ecpirose

Em 2008, Umberto Eco dizia:

Porque nunca como agora três dos elementos primordiais estão ameaçados: o ar, assassinado pela poluição e pelo anidrido carbónico; a água, que, por um lado, se empesta e, por outro lado, se apresta a faltar cada vez mais. Está a triunfar apenas o fogo, sob a forma de calor que seca a Terra, perturbando as estações, e que, derretendo os gelos, convidará os mares a invadi-la. Sem nos darmos conta, caminhamos para a primeira e verdadeira ecpirose. Enquanto Bush e a China recusam o Protocolo de Quioto, caminhamos para a morte pelo fogo – e pouco nos importa que, depois do nosso holocausto, o Universo se regenere, porque não será o nosso.

Umberto Eco, Construir o Inimigo e Outros Escritos Ocasionais, Gradiva, p. 90.

[Em Dezembro passado, o Canadá abandonou o Protocolo de Quioto, juntando-se aos EUA e à China que sempre recusaram a sua assinatura, apesar de constituírem os dois países com emissões mais elevadas de gases com efeito de estufa. Nessa altura, a China considerou “lamentável” a decisão canadiana (???!!!!). Infelizmente, lamentaremos muito mais.]

domingo, 11 de março de 2012

Prémio Dardos


"O Prémio Dardos reconhece os valores que cada blogueiro mostra em cada dia no seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais... que, em suma, demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre as suas letras, entre as suas palavras."


Obrigada, Cozinha dos Vurdóns, Margarida Elias e Fernando Reis!

Possui três regras:
1- Se aceitar, exibir a imagem.
2- Linkar o blog do qual recebeu o prémio.
3- Escolher 15 blogs para entregar o Prémio Dardos

 
Cá vão as minhas escolhas, em jeito de homenagem e agradecimento:
 
A Casa Improvável
Amigos de Portugal
Bibliofilia entre Parêntesis
Blogue do Reis
Cozinha dos Vurdóns
Diário de uma Diva
Flor de Lis
Grifo Planante
(In)Cultura
Interioridades
Mar Arável
Memórias e Imagens
Pé de Meia
Presépio com Vista para o Canal
Quarteto de Alexandria

segunda-feira, 5 de março de 2012

Da beleza

A beleza não é uma invenção humana.

Saul Bellow, Herzog, Biblioteca Sábado, p. 16

Praia Norte, Viana do Castelo

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Chuva

O sol mantem-se radioso e a chuva continua a não dar qualquer sinal. Para mim, seria uma perfeição de inverno, não fossem as notícias que se vão sucedendo: as culturas em perigo, as produções ameaçadas, as barragens que se esvaziam, populações, como a de Bragança, que temem pela água potável.
Perante este cenário, resta esperar que ela nos conceda umas visitas regulares, nos tempos mais próximos. E, aí, até eu farei coro com o Gene Kelly: I've a smile on my face/ I walk down the lane/ With a happy refrain/ Just singin'/ Singin' in the rain.

Adornada por uma noite de chuva outonal, no quintal da mãe

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Um sítio onde pousar a cabeça


Há um espaço enorme, uma imensidão entre nós e as palavras, que é ocupado por coisa nenhuma. E quando nós tentamos ultrapassá-lo, só num acto de amor é que é possível ir ao encontro delas e deixar que elas venham ao nosso encontro. (…)
A escrita para mim é mais do que respostas, é interrogações. Mais do que para afirmar a minha identidade, é para a procurar.

A voz de Manuel António Pina tecendo palavras sobre as palavras e a escrita, num documentário recentemente exibido na RTP 2. O título deste é extraído de um dos seus poemas, que aqui vos deixo, porque há palavras que pedem para serem partilhadas.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitece em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Nunca recordaremos haber muerto


Paula Rego, Tempo Passado e Presente (1990)
Tanta paciencia
para ser tuvimos
anotando
los números, los días,
los años y los meses,
los cabellos, las bocas que besamos,
y aquel minuto de morir
lo dejamos sin anotación:
se lo damos a otro de recuerdo
o simplemente al agua,
al agua, al aire, al tiempo.
Ni de nacer tampoco
guardamos la memoria,
aunque importante y fresco fue ir naciendo;
y ahora no recuerdas ni un detalle,
no has guardado ni un ramo
de la primera luz.
(...)

No tienes más recuerdo que tu vida.
                                                                                   
Pablo Neruda, Plenos Poderes (1962)


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Vitamina C

A intenção era fotografar as camélias, mas a geada já fizera os seus estragos antes de eu lá chegar. O certo é que a Natureza sempre nos vai presenteando com alternativas e estas até me parecem bastante adequadas ao frio que se faz sentir: uns gomos de tangerina, um chá de limão e mel, um suminho de laranja, tudo vale para enfrentar este verdadeiro ente polar.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Da culpa


(…) a culpa, porém, tanto a comprovável como a escondida, ou aquela que apenas se suspeita, essa fica. Faz tiquetaque sem parar, e mesmo nas viagens a nenhures lá está ela no seu lugar, à espera. Recita a sua pequena sentença, não teme repetições, faz-se esquecer, por longos períodos, magnânima, e hiberna em sonhos. Permanece como sedimento, não pode ser removida como uma mancha, sorvida como uma poça. Aprendeu desde cedo a procurar refúgio, confessada na concha de um ouvido, a tornar-se mais pequena do que pequena, num nada, fazendo-se passar por prescrita ou há muito perdoada, mas está afinal, assim que a cebola desaparece camada após camada, inscrita nas camadas mais novas: às vezes com letras maiúsculas, outras com frase subordinada ou nota de rodapé, às vezes é claramente legível, outras ainda aparece em hieróglifos que, quando muito, podem ser decifrados a custo.

Günter Grass, Descascando a Cebola – Autobiografia 1939-1959. Casa das Letras, p. 33.

[Neste livro, o autor assume ter pertencido à Juventude Hitleriana e às Waffen-SS, confissão que, à data, foi causadora de grande polémica. Paralelamente a uma incursão por uma Alemanha devastada pela guerra, este livro é também uma incursão pela vida interior de um homem perseguido pela culpa, pelo constante exercício da justificação, pela busca (infrutífera?) de expiação.]

domingo, 29 de janeiro de 2012

Espera

Não gosto de esperar. Mas quando se espera num sítio maravilhoso, até agradeço que se atrasem. É que a espera preenchida pela beleza e tranquilidade não se assemelha em nada a uma espera convencional. Também os espaços onde esperamos devem ser cuidadosamente escolhidos. Os físicos e os outros, se tal nos for possível.

Parque da Fundação Calouste Gulbenkian

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Uma coisa é necessária

  
Uma coisa é necessária – aqui
neste nosso mundo difícil
de sem-abrigos e desterrados:

Fixares residência em ti.

Entra pela escuridão
e limpa a fuligem da lâmpada.

Para que as pessoas na estrada
possam entrever uma luz
em teus olhos habitados.

Hans Børli, 1974 [retirado daqui]

Catedral da Sagrada Famíla, Barcelona

sábado, 14 de janeiro de 2012

Azul

- Quero concentrar-me em algo de inofensivo que exista no mundo.
- Estás a falar de que mundo? Aqui em baixo não há nada de inofensivo.
- Claro que há. O azul. Esse não magoa ninguém.

Toni Morrison, Beloved, Publicações D. Quixote, p. 234.

Palácio da Brejoeira, Monção

sábado, 7 de janeiro de 2012

Superação














Defendi o meu doutoramento na primeira semana do ano.
Estou muito feliz.