(…) a culpa, porém, tanto a comprovável como a escondida, ou aquela que apenas se suspeita, essa fica. Faz tiquetaque sem parar, e mesmo nas viagens a nenhures lá está ela no seu lugar, à espera. Recita a sua pequena sentença, não teme repetições, faz-se esquecer, por longos períodos, magnânima, e hiberna em sonhos. Permanece como sedimento, não pode ser removida como uma mancha, sorvida como uma poça. Aprendeu desde cedo a procurar refúgio, confessada na concha de um ouvido, a tornar-se mais pequena do que pequena, num nada, fazendo-se passar por prescrita ou há muito perdoada, mas está afinal, assim que a cebola desaparece camada após camada, inscrita nas camadas mais novas: às vezes com letras maiúsculas, outras com frase subordinada ou nota de rodapé, às vezes é claramente legível, outras ainda aparece em hieróglifos que, quando muito, podem ser decifrados a custo.
Günter Grass, Descascando a Cebola – Autobiografia 1939-1959. Casa das Letras, p. 33.
[Neste livro, o autor assume ter pertencido à Juventude Hitleriana e às Waffen-SS, confissão que, à data, foi causadora de grande polémica. Paralelamente a uma incursão por uma Alemanha devastada pela guerra, este livro é também uma incursão pela vida interior de um homem perseguido pela culpa, pelo constante exercício da justificação, pela busca (infrutífera?) de expiação.]
Não me sinto culpado
ResponderEliminaracredito na cebola e no alho
antibióticos naturais
Hermética essa CULPA, não ?
ResponderEliminarUm beijo.
A culpa não aproveita a ninguém... nem ao próprio!
ResponderEliminarMas é necessário um luto, para esquecer aquela parte que de nós morreu.
Ainda que insidiosa, a culpa só pode ser sentida por quem é capaz de acções e sentimentos nobres, mesmo que paralelamente a acções e sentimentos hediondos. Livre-nos a sorte dos que nunca sentem culpa.
ResponderEliminarUm grande beijinho e um bom fim-de-semana.
Quando do ocorrido, Günter Grass passou boa parte do prémio ganho para os ciganos, vítimas em Kosovo. Não sei bem como deve ficar tudo isso arranjado entranhas a dentro. Algumas coisas se refaz, outras nunca são refeitas. Entretanto há de se ter coragem para admitir a omissão e muita serenidade para refazer o caminho de volta.
ResponderEliminarCulpas, quem não as tem, as voltas com o jardim dos sonhos, espera-se o despertar.
bjs nossos
Sara,
ResponderEliminarEste é um livro que tenho na pilha para ler.
Exactamente, é a culpa cristã, o vazio e o menos que zero de uma Alemanha cáustica, a expiação, um trauma de um homem que simboliza todos - um país.
Todavia, a culpa é um sentimento bem ocidental!
Bj.
É um tema forte. Levou-me até ao filme "O pianista" do Roman Polanski que revi, há pouco. Numa guerra ninguém sai a ganhar, todos serão eternos derrotados, de um ou de outro modo.
ResponderEliminarL.B.
Para estes, que sentem a culpa por erros cometidos,vai ainda a minha compreensão. Impossível é compreender os que cometem, insensível e friamente, toda a espécie de crime sem que isso sequer lhes tire o sono...
ResponderEliminarAbraço
A questão da culpa tem muito que se lhe diga. Diga-se, a propósito, que a maioria das religiões se serve dela duma forma muito eficaz.
ResponderEliminarBeijo :)
Oi Sara
ResponderEliminarBiblicamente todos pecaram e consequentemente sentem-se culpados.
Prá nós o tamanho da culpa corresponde ao tamanho do sofrimento e do julgamento.
A diferença é como as pessoas respondem as suas próprias culpas.
Se há arrependimento e vida justa,é tentar vida nova como na promessa divina.
Paga-se a dívida com a sociedade e acabaram´se as culpas ,nao?
senaõ não vale a pena viver!
deixo beijinhos pra voce.
Gostei da analises que fazes.
ResponderEliminarNão li nada dele, nem me tenta.
Abraços de vida