quarta-feira, 30 de março de 2011

Sem pretexto

O The New York Times publicou muito recentemente um artigo acerca do fenómeno de revitalização do fado em Portugal. Depois da candidatura do nosso fado a Património Imaterial da Humanidade junto da UNESCO, toda a visibilidade é bem-vinda!
E já que falamos de fado, porque não ouvi-lo? Sem que para tal se necessite de qualquer pretexto.



Mariza, Há Uma Música do Povo
Poema: Fernando Pessoa | Composição: Mário Pacheco

Há uma música do Povo,
Nem sei dizer se é um Fado
Que ouvindo-a há um ritmo novo
No ser que tenho guardado
Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver
Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção
Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração
Sou uma emoção estrangeira,
Um erro de sonho ido
Canto de qualquer maneira
E acabo com um sentido!

sexta-feira, 25 de março de 2011

Desocultação

"A violência que a opressão sexual implica ocorre sob duas formas, hardcore e softcore. A versão hardcore é o catálogo da vergonha e do horror do mundo. Em Portugal, morreram 43 mulheres em 2010, vítimas de violência doméstica. Na Cidade Juarez (México) foram assassinadas nos últimos anos 427 mulheres, todas jovens e pobres, trabalhadoras nas fábricas do capitalismo selvagem, as maquiladoras, um crime organizado hoje conhecido por femicídio. Em vários países de África continua a praticar-se a mutilação genital. Na Arábia Saudita, até há pouco, as mulheres nem sequer tinham certificado de nascimento. No Irão, a vida de uma mulher vale metade da do homem num acidente de viação; em tribunal, o testemunho de um homem vale tanto quanto o de duas mulheres; a mulher pode ser apedrejada até à morte em caso de adultério, prática, aliás, proibida na maioria dos países de cultura islâmica.

A versão softcore é insidiosa e silenciosa e ocorre no seio das famílias, instituições e comunidades, não porque as mulheres sejam inferiores mas, pelo contrário, porque são consideradas superiores no seu espírito de abnegação e na sua disponibilidade para ajudar em tempos difíceis. Porque é uma disposição natural não há sequer que lhes perguntar se aceitam os encargos ou sob que condições. Os cortes nas despesas sociais do Estado atualmente em curso vitimizam em particular as mulheres. As mulheres são as principais provedoras do cuidado a dependentes (crianças, velhos, doentes, pessoas com deficiência). Se os doentes mentais são devolvidos às famílias, o cuidado fica a cargo das mulheres. A impossibilidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho doméstico faz com que Portugal tenha um dos valores mais baixos de fecundidade do mundo. Cuidar dos vivos torna-se incompatível com desejar mais vivos. "

Crónica completa de Boaventura Sousa Santos, aqui.

domingo, 20 de março de 2011

Da perda

Amores Perros (2000), de Alejandro González Iñárritu

No final deste inquietante filme surge a frase que poderá condensar todo o seu enredo, bem como uma parte indesmentível das nossas vidas:

Porque também somos aquilo que perdemos.

domingo, 13 de março de 2011

Uma só hora plena

Joseph Chamberlain Memorial Clock Tower ("Old Joe"),
Universidade de Birmingham

Diz-se que o tempo não pára, que nada lhe detém a incessante caminhada, é por estas mesmas e sempre repetidas palavras que se vai dizendo, e contudo não falta por aí quem se impaciente com a lentidão, vinte e quatro horas para fazer um dia, imagine-se, e chegando ao fim dele descobre-se que não valeu a pena, no dia seguinte volta a ser assim, mais valia que saltássemos por cima das semanas inúteis para vivermos uma só hora plena, um fulgurante minuto, se pode o fulgor durar tanto.


José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Caminho, p. 317

domingo, 6 de março de 2011

Black Dog


No filme O Discurso do Rei, Winston Churchill surge como um personagem secundário. Secundário no filme, mas centralíssimo na vida real, na sua e na de muitos. E ao ver a luta do rei contra a gaguez, não me pude inibir de pensar na luta do grande estadista contra a depressão, visita recorrente ao longo de toda a sua vida. Churchill denominava-a “Black Dog”. Mas, como em muitas outras lutas que enfrentou, também nesta, certamente dura e impenitente, poderemos concluir que a sua vida foi um exemplo de superação. E dou por mim a pensar se, por vezes, os seus famosos dedos em riste não representariam um certo triunfo privado sobre um indesejado cão negro.