quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Magnólias

Mostram-se em profusão floral por esta altura do ano, desafiando um Inverno ainda plenamente instalado. Contrariando uma certa lógica, lançam a flor antes da folha. Como se não conseguissem esperar. Como se essa mesma urgência fosse a expressão concreta e esplendorosa da nossa própria ânsia de Primavera.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Distância

(…) a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio de uma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz.

José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Caminho, p. 220


Parque das Termas da Curia, Anadia

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Aurora boreal


Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

António Gedeão, Obra Poética

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Desabrigados


Em trânsito pela estação de metro de S. Bento deparei-me com elas e fui espreitar. Por uma ampla extensão, espalhavam-se várias esculturas em tamanho real, representando pessoas sem-abrigo. Soube mais tarde que se tratava de uma exposição pan-europeia itinerante de esculturas de bronze do escultor dinamarquês Jens Galschiøt, inserida no projecto “Welcome HomeLess” e trazida a Portugal no âmbito do Ano Internacional contra a Pobreza e a Exclusão Social.
Não pude deixar de notar que, na correria da manhã, quase ninguém se aproximava delas. Assim como não pude deixar de ponderar a possibilidade metafórica desse facto. Não nos aproximamos. Nem destas, nem da realidade que representam, a daqueles que estão efectivamente lá fora, desabrigados.
Interpeladoras, logo ao início da manhã.



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Le Mur pour la Paix

Em tempo de fortes convulsões no Médio Oriente, trago aqui a presença ainda próxima do “Le Mur pour la Paix”, uma obra concebida por Clara Harter e Jean-Michel Wilmotte. Estrategicamente colocada num local associado ao belicismo - no Champ de Mars, em frente à École Militaire -, a obra tem-se tornado um símbolo dos direitos humanos e, naturalmente, da paz, palavra que aí se encontra inscrita em 49 línguas diferentes.
À semelhança do Muro das Lamentações, no qual se inspira, também aqui é possível deixar mensagens pessoais, desta feita em prol da paz. Não deixei lá nenhuma, mas faço-o agora: Que o seu simbolismo derrube outros "muros", não permitindo que lutas justas se desvirtuem e se transformem em meios a servir interesses perversos e perigosos.