Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.
António Gedeão, Obra Poética
António Gedeão um autor maior.
ResponderEliminarMuito a propósito do actual momento.
Um beijo, SARA.
E porque é preciso sorrir... aí vai um sorriso.
ResponderEliminarComo poderia não sufocar com tanta janela???? Quanto mais nos abrirmos ao exterior, maior permeabilidade teremos para ser e sentir tudo o que o poeta refere neste belo poema...Umas vezes sufocamos, outras libertamo-nos e sonhamos e vivemos e voltamos a (re)nascer!!!
ResponderEliminarAs tuas janelas estão bem lindas, Sara...
Para quando será a exposição de fotografia?
Quero estar na fila da frente... lol
bjs
BFDS
Ah, esqueci de acrescentar que o pormenor da gaiola por entre tanta janela dá que pensar!!!
ResponderEliminarbjs ao quadrado
Que maravilha! Acho que vou "roubá-lo" para o meu blogue, com a devida citação, claro...:)
ResponderEliminarGosto imenso da poesia do A. Gedeão.
ResponderEliminarA Gulbenkian editou recentemente um Diário de AG.
Bjs
António Gedeão combinava, como ninguém, a sensibilidade da poesia e a racionalidade da ciência. Aprecio muitíssimo tudo quanto lhe conheço e considero-o, sempre, uma magnífica opção.
ResponderEliminarBeijinho :)
Grande ser humano, esse António Rómulo Gedeão de Carvalho, que nos deixou, acima de tudo, palavras para absorver, repensar, moer devagar.
ResponderEliminarDele prefiro quase tudo e deixo aqui uma estrofe do "Poema do Homem Só" que algo tem a ver com essas maravilhosas janelas fotografadas (incluindo a gaiola fechada com papagaio de madeira e tudo):
"(...)
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
(...)"
Um abraço.
Grande, enorme poeta que não deixo de ler!Como eu gosto do sorriso sempre meio escondido entre cada verso, e toda a vida ali, aberta à nossa sensibilidade.
ResponderEliminarObrigada, Sara
Escrever poesia assim é coisa que não está ao alcances de todos. Por isso é assim de imenso.
ResponderEliminarGostei muito
Um grande abraço, querida amiga