terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Meditativos

Exactamente como nas leiras, onde a gente vê semanas a fio o mesmo pé de milho parado, meditativo, enigmático, a aloirar encobertamente a sua espiga, assim nos homens mais pasmados, mais lentos e mais metidos consigo, anda às vezes uma resolução secreta a criar e a amadurecer. E saem obras tão perfeitas destas meditações, tão acabadas na concepção e na forma, que só o dedo da providência, porque aponta do céu, é capaz de lhes evidenciar os defeitos de fabrico.

Miguel Torga, Teia de Aranha, em Novos Contos da Montanha

10 comentários:

  1. Eloquente e inspirada obra, num excerto magnífico sobre inspiração...

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  2. Pareceu-me que poderia estar a falar dele próprio: inspirado, mas também granítico e tendente ao silêncio, como as serranias que desvelava na sua prosa.

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  3. Como o silêncio sorumbático do artista, que julga não estar bafejado pela inspiração... que enganado está! Destas meditações consigo próprio nascem as maires obras artísticas que só outro Criador pode apontar defeito. Só Esse sabe, porque encontra-se a uma distância tal, que lhe permite obter a visão da planicie com as espigas ao vento em estado de amadurecimento esguio....

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  4. Todos nós temos estes momentos meditativos criativos...e outros em que a inspiração falta;)faz parte...

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  5. Todos nós temos estes momentos meditativos, comtemplativos e criativos...em que a inspiração nos toma e transpira no papel a nossa própria alma...:)

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  6. Agora fizeste-me lembrar o Gabriel García Marquez que diz não acreditar na existência da "inspiração". A existir, acrescenta, o melhor será que quando chegue, nos encontre a trabalhar...:)

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  7. Daí que precisasse de cem anos de solidão... eh eh eh. Atravessando várias gerações da família Buendia. Ele já estava a trabalhar com certeza, ao longo desta sua criação.
    Abraço

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  8. Tenho cá uma suspeita de que no caso de Mestre Gabo, e arriscando-me a discordar do próprio, a dedicação ao trabalho não será o único factor envolvido na criação de tão extraordinária obra...

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  9. Arrisco consigo Sara na discordância com GGM. Aquele voltear de geração em geração era qualquer coisa de extraordinário. Julgo que será preciso algo mais que dedicação ao trabalho, senão já teríamos feito algo do género... lembro-me quando comecei a ler essa mediática obra, revisitava as folhas anteriores pois perdi-me várias vezes naquelas narrativas geracionais que me deixavam deslumbrada e frustrada por não conseguir "apanhar" à primeira. Foi esse desafio que me fascinou a principio, para além da qualidade da prosa, of course. Tenho pena de estar amarrada a outros tipos de leitura que me impedem de esvoaçar por outras obras que namoro nas prateleiras das livrarias. Já nem lá entro...

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