sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sob a armadura

Deu um passo em frente e preparava-se para estender a mão quando descobriu que ao vestir aquele uniforme tudo tinha mudado. Apoderou-se bruscamente dele um sentimento de solidão, compreendendo que na sua qualidade de embaixador devia renunciar para sempre à amizade dos seres humanos vulgares em troca da sua “déférence”. O uniforme isolava-o do mundo como uma armadura de aço. “Senhor - pensou ele -, passarei a vida a solicitar uma reacção humana normal das pessoas que devem deferência ao meu “posto”! Vou tornar-me como aquele horrível vigário do Sussex que praguejava sempre em voz baixa para provar a si próprio que era ainda um ser humano a despeito da coleira!”

Lawrence Durrell, Mountolive

9 comentários:

  1. Li este livro há uns anos, é excelente faz parte do Quarteto de Alexandria.
    Belíssimo excerto. :)

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  2. Olá Ana, seja muito bem-vinda!
    É um livro extraordinário, de facto. Foi para mim um prazer revisitar Durrell nos últimos dias.
    Obrigada e votos de um bom fim-de-semana!

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  3. Obrigada.
    Bom fim-de-semana e foi um prazer descobrir o seu blogue!

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  4. Obrigada pelas suas palavras, Ana! Sinta-se à vontade nesta "etnografia" :) Também lá irei espreitar a sua... :)

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  5. A identidade... tão universal quanto subjectiva e irrepetível. Pergunto-me quantos "uniformes" albergaremos, quantos nos separam dos outros, quantos aderem e se confundem com a própria pele, e com quantos, e com quem, nos permitimos despi-los e albergar apenas o nosso "traje" mais genuíno... A identidade é sempre um inesgotável e interessante tema para (auto)reflexão.
    Beijinho e bom fim-de-semana.

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  6. Interessante reflexão a tua, sem dúvida. Quando li este excerto, apesar da alusão explícita aos "uniformes" e "coleiras" externas e ao seu efeito, também fiquei a ponderar acerca daqueles que usamos face a nós próprios. Esses que, como tão bem disseste, "aderem e se confundem com a própria pele".
    E reitero os meus votos de um bom fim-de-semana (pode ser que "chovam" coisas que valham a pena ;)

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  7. Partindo do dito popular " o hábito faz o monge" foi esta a minha reflexão a respeito do teu post. As questões de identidade tal como R. referiu. Reportando-me à minha profissão é um aspecto muito importante, pois qd investidos da farda é esperado que tenhamos determinadas posturas, atitudes e intervenções. É mesmo a nossa segunda pele... contudo, não podemos despojar-nos da identidade mais ontológica em prol da biológica (epidérmica) e/ou física (mais superficial do traje). Interessante que no texto o individuo teria que apelar aos seus instintos mais "básicos" (o praguejar) para não esquecer a sua condição humana... Acudindo à comparação anterior que fiz sobre a minha profissão, espera-se que a farda vista o profissional, mas tb o ser humano. Espera-se que uma série de atitudes éticas, deontológicas e ontológicas estejam trajadas de forma espontânea e humana...
    Bjs tb para ti Sara. Um Bom domingo e semana que se aproxima.
    CF

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  8. Cara C.,
    ainda bem que lembraste que nem todos os "uniformes" afastam, havendo aqueles que, simbolizando o cuidado, o apoio ou a protecção, tendem a aproximar. Não tinha visto as coisas dessa forma, mas é certamente uma perspectiva que alarga a minha visão inicial. Bem lembrado!
    Obrigada, beijinho e boa semana!

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  9. Sem dúvida. Subscrevo-as a ambas. É a possibilidade de partilha de múltiplas e enriquecedoras perspectivas que torna tão interessantes espaços como este.
    Votos reiterados de uma excelente semana!

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